Camilo Castelo Branco






Autobiografia de Camilo
(Sentado numa mesa, de costas para o público, rodeado de material de escrita e com a sua obra literária)
Visconde Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco. Sou filho ilegítimo. Manuel Botelho é o meu pai, e minha mãe, Jacinta Espírito Santo, uma sua criada, permaneceu incógnita para não sujar o nome dos Castelo Branco.
(Levanta-se e volta-se para o público.)
Aprendi latim, francês, literatura portuguesa e doutrina cristã. Estava-me destinado o sacerdócio. Fiquei órfão e foi a minha tia Rita, irmã de meu pai, quem me educou. Mais tarde, imortalizei-a no meu livro Amor de Perdição.
Aos dezasseis anos, casei-me com Joaquina Pereira de França, por quem tive uma intensa, mas fugaz paixão. Nasceu a minha filha Rosa e preparei-me para ingressar na universidade, tendo decidido inscrever-me em Medicina, no Porto. Fui mau aluno. Tinha outro destino. Nesse mesmo ano, fiz a minha estreia literária.
Escrita e amores sempre se cruzaram na minha vida. Fugi com a minha prima Patrícia Emília para o Porto, onde fui perseguido pela justiça, acusado pelos parentes dela. Fruto do nosso amor, nasceu Bernardina Amélia. Tornei-me, então, jornalista. Perdi a minha primeira filha. Mais tarde, morreu a minha esposa.
Comecei a minha vida de boémio. Vivi amores intensos e frustrados. Tal como um Don Juan, coleccionei mulheres: Maria Isabel Browne, Isabel Cândida Mourão – freira (sussurrando) – e Carlota de Sá – governanta.
A meio do século, mudei-me para Lisboa e passei a viver apenas da minha escrita. Conheci Ana Plácido, noiva de Manuel Pinheiro Alves. Ao saber do seu casamento, decidi ser padre. Fundei até dois jornais de carácter religioso. De nada serviu. Transferi-me para Viana do Castelo. Fingindo apoiar a irmã doente, Ana Plácido seguiu-me. Foi um verdadeiro escândalo! Ainda assim, Alexandre Herculano, grande historiador, propôs-me como sócio da Academia Real das Ciências.
Andei fugido. Saltei de terra em terra e nasceu o meu primeiro filho com Ana Plácido. Acusada pelo marido, Ana foi presa. Fugi à justiça durante algum tempo, mas acabei por me entregar. Fiquei detido na cadeia da Relação do Porto, onde até o rei D. Pedro V me visitou. O juiz que nos veio a absolver era o pai de Eça de Queirós.
Nasceu o meu segundo filho. Morreu o marido de Ana. Herdámos a casa de São Miguel de Ceide, para onde fomos viver e onde nasceu o nosso terceiro filho, Nuno, que nos iria trazer muitos problemas. Andei entre Porto e Lisboa. Fixei-me em Coimbra e, em 1877, morreu o meu filho mais velho.
Em 1881, envolvi-me no rapto de uma jovem para a casar com o meu filho Nuno. A nossa relação degradou-se e expulsei-o de casa.
Estava cheio de dívidas quando me concederam o título de visconde e, em 1888, casei, finalmente, com Ana Plácido. A cegueira arruinou a minha vida.
(Volta a sentar-se de costas para o público, pega na arma, dispara-a e tomba sobre a secretária).
Adaptação livre para Teatro
Inês Reis, Sandra Raquel e Olinda Campos

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