BOM NATAL!
(...) «Minhas pequenas senhoras! Meus pequenos senhores! Têm encarecido muito as coisas no Paraíso durante os últimos anos. Os géneros de primeira necessidade estão pela hora da morte. O preço do maná tem dobrado pés com cabeça. As rendas de casa das estrelas têm subido muito, e ainda o outro dia, conversando sobre este assunto com o meu compadre e amigo São Pedro, porteiro, ele me contava que se não tem hoje uma pequena água-furtada senão pelo dobro do preço por que antigamente se alugava um bom primeiro andar na Via Láctea. A mão–de-obra das asas dos serafins tem encarecido na mesma proporção, e há santas, boas menagères, que têm despedido muitos querubins das suas peanhas por não os poderem sustentar, ficando apenas com um anjo para todo o serviço ou tomando um querubim a dias. O Mafarrico, com quem me encontrei há dias numa excursão de recreio, referiu-me que as coisas não corriam melhor no Averno. Têm ali afluído nos últimos anos muitos banhistas de enxofre. O número das almas em tratamento sulfúreo é enorme, gasta-se imenso combustível, o que tem feito encarecer tudo. Acrescentou o Mafarrico que só na verba cabeleireiro gasta ele hoje dez vezes o que gastava dantes para lhe pentearem o rabo e para lhe frisarem os chavelhos, aos sábados. De modo que, meus pequenos senhores e minhas pequenas senhoras, não é só neste mundo que é preciso economia; ela é indispensável em toda parte. Para o fim de responder liberalmente às cartas que vós ontem me dirigistes, e que eu oportunamente mandei buscar aos vossos sapatos pelo meu escudeiro Hauscrouff, que ora vedes presente neste recinto, eu gastei todos os meus bens da mitra, e ainda está uma boneca _ essa, maior _ que ficou na conta para ser paga em prestações ao mês. De forma que, enquanto vós ides brincar alegres e satisfeitos com os bonitos que vos trouxe, uma grande infinidade de meninos se acham por esse mundo a chorar por não terem brinquedos nenhuns. Peço-vos pois que, para fazer deste dia dos meus anos um dia de alegria completa e geral, me deis todos os vossos bonitos velhos, a fim de que eu presenteie com eles as criancinhas menos felizes, que não podem ter como vós bonitos novos. Hauscrouff! Aproximai o cesto!»
A festa do Natal _ a festa das crianças e a história de uma que não se divertiu
JOSÉ DUARTE RAMALHO ORTIGÃO
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